CAVERNA UMAJALLANTA

Cidade: Torotoro/BO | Categoria: Passeios
Postado em: 06/11/2017
Diário de Motocicleta

Depois de pagarmos cerca de US$ 15,00 de ingresso ao Parque Nacional de Torotoro, buscamos na Agência Comunitária um guia que pudéssemos contratar.

Em Torotoro funciona assim, os guias são moradores da cidade, treinados e aptos a fazer os mais diversos roteiros que existem pelas cadeias de montanhas da região, e é indicado para aqueles que realmente possuem espírito aventureiro, por que as belezas são fáceis de admirar, mas nem sempre chegar é fácil, como o Circuito Vergel que sobe e desce cânions, em alguns trechos via rapel, outros atravessando rios com água acima da cintura e por ai vai... por quase 7h de passeio.

Como meu joelho já vem doendo a dias – mudanças de temperatura geralmente o faz doer mais – escolhemos fazer o tour mais facinho e conhecer as profundezas da Caverna Umajallanta, a maior da Bolívia.

Os grupos são de no máximo seis pessoas, mas como apenas eu e a Elda queríamos este roteiro, pagamos o equivalente a US$ 20,00 cada um em um tour exclusivo.

Seguimos de 4x4 até 1,5km da entrada da caverna, e deste ponto, seguimos nosso guia Pablo, um senhor de 51 anos que nasceu, cresceu e NUNCA saiu de Torotoro.
Impressionante como um homem que recebe pessoas do mundo inteiro, jamais saiu de seu povoado.

Dono de um conhecimento vasto sobre a região, foi nos explicando detalhes da história daquelas montanhas e nos apresentando pegadas de dinossauros carnívoros que um dia passaram correndo por ali em busca de caça.

Ele nos contou que quando criança costumava brincar sobre o terreno que hoje encontramos algumas dessas pegadas, e que a 20 anos atrás não se via nada. Somente depois que chuvas fortes começaram a cair, é que a erosão passou a revelar as pegadas.

Com um olhar já cansado, perdido no horizonte nos indagava o quanto mais havia por ser revelado.

Paramos em uma base comunitária de turismo, deixamos nossos pertences em armários, nos equipamos com capacetes com lanternas, e seguimos para a entrada da Caverna Umajallanta que em Aymara tem um significado bonito – el agua que se pierde en las profundidades de la tierra, já que o Rio Umajallanta entra pela caverna, e desaparece na sua escuridão.

A entrada da caverna é assustadora, uma boca de 20x30 metros de abertura, que vai estreitando até o fundo, quando por fim, apenas uma pessoa consegue passar por vez.
O seu interior já foi explorado por 7 km, mas nosso passeio é de cerca de 350 m entre ida e volta.

Neste ponto confesso que já estava exausto pois, caminhar a 2.800m de altitude já não é fácil, subir e descer por rochas então... é muito mais complicado. Mas, como sempre digo, já que lá tá, que lateje.

Acendemos as lanternas dos nossos capacetes e entramos pela minúscula abertura que logo nos levou a primeira galeria onde infelizmente encontramos várias estalactites quebradas.
Pablo nos contou que antes não havia controle, que qualquer pessoa podia entrar na caverna sem guia e que isso danificou muito a caverna. Ele lamentou pelo fato dizendo que cada centímetro destruído levou 25 anos para crescer.

O próximo passo foi passar por um estreito que só na posição de caranguejo, com as pernas para frente e os braços para trás – andando nas quatro patas – que conseguimos chegar na segunda galeria, maior e chamada de Sala de Concerto por conta das estalactites (quando descem do teto) que encontravam estalagmites (quando crescem do chão), formando o que eles chamam de o Grande Órgão.

Até aqui, já havíamos descido cerca de uns 20 metros de profundidade, e a bagaça era ladeira abaixo, então seguimos subindo rochas, escorregado aqui e ali, principalmente a Elda com um Tênis de corrida, liso igual sabão.

Atingimos a maior galeria, chamada infelizmente de Sala dos Grafites, e dá pra entender como o ser humano é uma grande besta... centenas de nomes pichados, alguns com chama de isqueiro, outros por spray mesmo, mas de toda forma, um meio de vandalismo que não precisava estar ali.

Descansamos um pouco e logo começamos a nos embrenhar por um labirinto claustrofóbico, onde foi preciso muito contorcionismo e que dificilmente amigos acima do peso conseguiriam passar... isso tudo para chegar na lagoa que tem no fundo da caverna – a parte mais baixa que podemos chegar, com cerca de 120m de profundidade em relação a entrada da caverna.

Ali conseguimos ver um filhotinho de peixe cego, que por conta da total ausência de luz, não desenvolveu olhos, já que seriam inúteis.

Caprichos da natureza por todos os lados.

Após uma experiência de escuridão, com as luzes dos capacetes apagados, situação em que os sons da caverna amplificam, dando a impressão que você virou um morcego, começamos a nossa subida à superfície, que foi mais difícil que a descida.

Em vários trechos tivemos que usar cordas fixadas na beirada de penhascos que era melhor não saber a profundidade, até por que o medo era iminente, ainda mais para Elda que desde o começo vi há escorregando ao invés de caminhar.

Levamos uma vida para subir, mas assim que vimos os primeiros raios de luz, o sorriso foi inevitável.

Na saída ainda nos deparamos com Viscachas, roedores encontrados nos Andes, que mistura esquilos com coelhos... fofos demais como diz a Elda se controlando para não catar um e levar pra casa.

Na entrada da caverna sentamos e batemos um papo com Pablo, agora nosso brother depois desta experiência. Viúvo há três anos, pai de onze filhos, com tristeza nos contava sua história, e misturava com mais detalhes do lugar onde passou sua vida toda.

Um dos relatos me causou estranheza, quando ele disse que um meteoro caiu e formou aqueles arcos de rochas que podemos ver por todo o vale. Nitidamente é mais uma ação do avanço da Cordilheira sobre camadas de rochas macias que se ergueram diante de seus algozes, e que se estende quase até Cochabamba... na verdade, já tinha visto formações similares na Ruta 40, subindo a Patagônia em 2013, mas como dizer isso para um homem que nunca saiu dali?

Voltamos meio que nos arrastando para o 4x4, depois de duas horas dentro da Umajallanta, e uma vez no hotel, capotamos na cama ainda com os pés enlameados e com memórias frescas de algo que jamais nos esqueceremos.

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